Tive a oportunidade recentemente de ir a uma festa, uma confraternização onde todos se divertiam, bebiam, dançavam, falavam de suas rotinas, suas queixas. Um ambiente saudável sem dúvidas. Todos pareciam estar muito bem com a própria vida e com os demais, naquele momento os problemas pareciam não existir e a harmonia daquela micro representatividade era divinamente bem quista, todos se adoravam ,se queriam.
Por um momento passei a me perguntar: será mesmo? Nenhuma pessoa neste ambiente sente uma angústia sequer? Passei a me concentrar em um único diálogo por vez, nas roupas, penteados, gestos e olhares, no tratamento que alguns tinham com seu vizinho e com o garçom, no pessoal da recepção e no barman. Todos vestiam máscaras e era vitrine, representávamos àquele momento um papel e tínhamos a obrigação de sermos bem apresentados e de não fugirmos em nenhum momento do aceitável, do permitido e apreciável, pessoas que por um acaso fujam deste “padrão” ganham visibilidade de reprovação, são descartadas, postas ao canto, não são dignas de serem olhadas nem de terem voz, são os empoeirados.
Repentinamente tudo aquilo se transformou em uma grande tensão, todos à mesa, salão ou os que circulavam se torturavam para que sua pessoa desse certo. A tensão se dava em que tipo de bebida se consumia a forma de se dançar e falar. Em uma paquera ambos os lados teriam de se esforçar na tentativa de passar uma imagem de quanto seria bom ao outro tê-lo ao lado. Essa inquietude de nosso tempo foi naturalizada ao ponto de exercermos e reforça-las todos os dias sem que nos déssemos conta disto, aparentemente não nos fazem mal algum sermos assim, caçadores e predadores de nós e de tudo que nos rodeia, de sermos patologicamente desiquilibrados ao ponto de abrirmos mão do bem-estar.
O delírio se estende (está presente) em todas as relações sociais, a “vila comunitária” inteira é uma grande tensão. Uma casa luxuosa é tensa, pois recai sobre o desejo de tê-la, desta forma, por parte do proprietário e é ao mesmo tempo violenta para os que entram nela, os que não a têm, já nesses também é estimulado o desejo e a relação proprietário-visitante é verticalizada, ou seja, é dada de cima para baixo e em tal ordem. O carro do ano é tenso, é para os vizinhos; o salário recheado é muito tenso quando a ele é submetido certa quantidade de empregados e realiza compras rotineiramente; a Escola reserva sua “tensidade” quando os grupos têm de se afirmar: o dos professores, dos descolados, das lindas, dos inteligentes. Vivemos o auge da tensão científica que tenta explicar algo como a dança, onde sua essência não reside em sua explicação, mas no ato de dançar simplesmente.
O mundo da moda há anos investe pesadamente em seu caráter tenso por meio de gerar insatisfações com o estilo, tempo e corpo. Seus ciclos devem ser rigorosamente cumpridos a fim de garantir metas (de fim de ano, temporada, época, estação); e a indústria da justiça está a todo vapor, vence o que melhor jogar. Passamos a nos vender o tempo inteiro, por isso nos castigamos para nos tornamos um bom produto: um bom aluno, bom mestre, bom doutor, ter um corpo esbelto, ser melhor analista, o melhor companheiro, o melhor comentarista, o mais responsável e apto.